Lula defende comércio em moedas dos países do Brics em discurso em Xangai

Presidente brasileiro pede mudança do comércio lastreado no dólar e destaca necessidade da medida durante posse de Dilma Rousseff no NBD (Novo Banco de Desenvolvimento) dos Brics

Em um discurso na posse da ex-presidente Dilma Rousseff no Novo Banco de Desenvolvimento dos Brics em Xangai, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu a realização do comércio nas moedas dos países integrantes do bloco. Ele questionou por que todos os países são obrigados a fazer seus negócios lastreados no dólar e enfatizou a necessidade da mudança para outras moedas, como o real e o iene.

Durante sua fala, Lula pediu paciência aos chineses e destacou a autorização da subsidiária ICBC para fazer a compensação direta de yuans para reais em março deste ano, o que possibilita a realização de operações comerciais e financeiras diretamente entre duas moedas, sem a necessidade de utilizar o dólar americano.

A criação de uma clearing house é necessária para a implementação da medida, como um passo inicial, explicou a secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Tatiana Rosito. Ela apontou, no entanto, que há falta de recursos imediatos nessas instituições e desconhecimento dos empresários sobre essas operações.

A China tem buscado a internacionalização de sua moeda desde 2009 e, em 2013, o yuan se tornou a segunda moeda mais utilizada no mundo, atrás apenas do dólar americano. O ICBC, que é o maior banco do mundo por total de ativos, segundo a consultoria S&P Global, é controlado pelo governo chinês e foi fundado em 1984, tendo sua subsidiária brasileira aberta em 2013.

Leia íntegra do discurso de Lula no banco dos Brics

“É com grande alegria que retorno a Xangai após quase 20 anos, e por um motivo muito especial. Tenho a satisfação de reencontrar a presidenta Dilma Rousseff e o prazer de comemorar sua escolha para comandar esta importante instituição.

“A posse de uma mulher à frente de um banco global de tamanha envergadura seria por si só um fato extraordinário, num mundo ainda dominado pelos homens. Mas a importância histórica deste momento vai mais além.

“Dilma Rousseff pertence a uma geração de jovens que nos anos 70 lutaram para colocar em prática o sonho de um mundo melhor – e pagaram caro, muitos deles com a própria vida.

“Meio século depois, o Novo Banco de Desenvolvimento surge como ferramenta de redução das desigualdades entre países ricos e países emergentes, que se traduzem em forma de exclusão social, fome, extrema pobreza e migrações forçadas.
Senhoras e senhores.

“A mudança do clima, a pandemia de COVID-19 e os conflitos armados impactam negativamente as populações mais vulneráveis. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável passam por graves retrocessos e muitos países em desenvolvimento acumulam dívidas impagáveis.

“É neste contexto adverso que o Novo Banco de Desenvolvimento se impõe. A decisão de criar este banco foi um marco na atuação conjunta dos países emergentes. Por suas dimensões, tamanho de suas populações, peso de suas economias e a influência que exercem em suas regiões e no mundo, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul não poderiam ficar alheios às grandes questões internacionais.

“As necessidades de financiamento não atendidas dos países em desenvolvimento eram e continuam enormes.

“A falta de reformas efetivas das instituições financeiras tradicionais limita o volume e as modalidades de crédito dos bancos já existentes.

“Pela primeira vez, um banco de desenvolvimento de alcance global é estabelecido sem a participação de países desenvolvidos em sua fase inicial. Livre, portanto, das amarras das condicionalidades impostas pelas instituições tradicionais às economias emergentes. E mais: com a possibilidade de financiamento de projetos em moeda local.

“A criação deste Banco mostra que a união de países emergentes é capaz de gerar mudanças sociais e econômicas relevantes para o mundo. Não queremos ser melhores do que ninguém. Queremos as oportunidades para expandirmos nossas potencialidades, e garantir aos nossos povos dignidade, cidadania e qualidade de vida.

“Por isso, além de continuar trabalhando pela reforma efetiva da ONU (Organização das Nações Unidas), do FMI (Fundo Monetário Internacional) e do Banco Mundial, e pela mudança das regras comerciais, precisamos utilizar de maneira criativa o G-20 (que o Brasil presidirá em 2024) e o BRICS (que conduziremos em 2025) com o objetivo de reforçar os temas prioritários para o mundo em desenvolvimento na agenda internacional.

“Senhores e senhoras.

“O Novo Banco de Desenvolvimento tem um grande potencial transformador, na medida em que liberta os países emergentes da submissão às instituições financeiras tradicionais, que pretendem nos governar, sem que tenham mandato para isso.

“O banco dos Brics já atraiu quatro novos membros: Bangladesh, Egito, Emirados Árabes Unidos e Uruguai. Vários outros estão em vias de adesão, e estou certo de que a chegada da presidenta Dilma contribuirá para esse processo.

“No Brasil, os recursos do Novo Banco financiam projetos de infraestrutura, programas de apoio à renda, mobilidade sustentável, adaptação à mudança climática, saneamento básico e energias renováveis.

“Em conjunto, os membros do BRICS ampliam sua capacidade de atuar positivamente no cenário internacional, contribuindo para evitar ou mitigar crises e beneficiando as perspectivas de crescimento e desenvolvimento de nossas economias.

“Por tudo isso, o Novo Banco de Desenvolvimento reúne todas as condições para se tornar o grande banco do Sul Global.

“Senhoras e senhores.

“O tempo em que o Brasil esteve ausente das grandes decisões mundiais ficou no passado. Estamos de volta ao cenário internacional, após uma inexplicável ausência. Temos muito a contribuir em questões centrais do nosso tempo, a exemplo da mitigação da crise climática e do combate à fome e às desigualdades.

“É intolerável que, num planeta que produz alimentos suficientes para suprir as necessidades de toda a humanidade, centenas de milhões de homens, mulheres e crianças não tenham o que comer.

“É inadmissível que a irresponsabilidade e a ganância de uma pequena minoria coloquem em risco a sobrevivência do planeta e de toda a humanidade.

“O Brasil está de volta. Com a disposição de contribuir novamente para a construção de um mundo mais desenvolvido, mais justo e ambientalmente sustentável.

“Queremos compartilhar com todos os países interessados a experiência de crescimento econômico com inclusão social que o Brasil viveu durante meu governo e o governo da presidenta Dilma Rousseff.

“As políticas públicas de nossos governos foram capazes de resgatar 36 milhões de brasileiros da extrema pobreza e retirar o Brasil do Mapa da Fome da ONU pela primeira vez em nossa história. Ao mesmo tempo, o Brasil se tornou a 6ª maior economia do planeta.

“Estou certo de que a experiência da presidenta Dilma ao governar o Brasil se renovará à frente deste importante instrumento para o desenvolvimento de nossos países.

“Sua presidência representa o compromisso renovado do Brasil com os BRICS. E é também mais uma demonstração da disposição brasileira de consolidar o fortalecimento deste Novo Banco de Desenvolvimento diante dos desafios e da necessidade de contínuo aprimoramento institucional e operacional.

“Fico feliz por termos uma mulher forte e experiente à frente dessa instituição.

“Muito boa sorte, felicidades e sucesso nas suas novas funções, Presidenta Dilma.

“Muito obrigado.”

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