Advocacia predatória: o impacto na sociedade e as medidas de combate

Repórter ABC, com informações Conjur – As atividades de escritórios ou advogados que abusam do Judiciário por meio de demandas predatórias têm consequências diretas para a sociedade. Caso não sejam confrontadas, tais práticas podem expor pessoas que realmente necessitam de orientação jurídica a atendimentos não especializados, comprometendo a legitimidade de seus pedidos.

Essa preocupação tem sido levantada pela Ordem dos Advogados do Brasil Seccional São Paulo (OAB-SP), de acordo com Bruno Salvatori Paletta, presidente da Comissão de Combate ao Exercício Ilegal da Profissão da entidade.

A advocacia predatória se caracteriza por ações em massa, utilizando petições padronizadas com o objetivo de obter vantagens indevidas. Geralmente, as alegações são genéricas e carecem de fundamento válido. É comum perceber o uso de pessoas vulneráveis como autores nas ações.

De 2022 até maio deste ano, o Núcleo de Monitoramento de Perfis de Demandas (Numopede), da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, recebeu 735 comunicações de magistrados relacionadas a casos de litigância predatória em andamento no estado. De acordo com levantamentos feitos pelo Numopede, com base em casos em que a litigância predatória foi efetivamente reconhecida pelo juiz, estima-se que ela resulte em uma movimentação de 300 mil a 600 mil processos, com um custo superior a R$ 1 bilhão por ano apenas no Judiciário de São Paulo.

Esses dados foram compilados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo a pedido da revista eletrônica Consultor Jurídico.

Em uma pesquisa realizada no sistema do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), a ConJur descobriu que, entre junho de 2022 e abril de 2023, o juiz Héber Mendes Batista, da 4ª Vara Cível de Ribeirão Preto (SP), condenou repetidamente um grupo de três advogados por litigância de má-fé em processos movidos contra instituições financeiras.

Cada um dos advogados condenados, juntamente com seus respectivos clientes nos processos, deve pagar uma multa equivalente a um salário mínimo por cada condenação. O magistrado baseou suas decisões em entendimentos já firmados pelo TJ-SP.

Outro exemplo ocorreu na Bahia, onde um advogado de Juazeiro ajuizou múltiplas ações em seu próprio nome e representando familiares próximos, alegando descumprimento de ofertas de diversos produtos anunciados em plataformas virtuais.

Esse profissional ingressou com ações idênticas contra diferentes sites, alegando que, ao clicar no anúncio de um produto, era redirecionado para o site responsável pela venda, porém não encontrava a oferta inicial. Os processos foram protocolados em seu nome, no nome de sua namorada e de seus pais, com uma diferença de apenas quatro dias entre as datas de protocolo, todos com o mesmo pedido referente ao mesmo produto.

Após a defesa de uma das empresas acionadas apontar a prática predatória do advogado, ele decidiu desistir das ações em questão.

Em março deste ano, o juiz Rômulo Macedo Bastos, da Vara Única da Comarca de Saloá (PE), extinguiu 1.476 processos movidos por quatro advogados inscritos originalmente na OAB de Tocantins, mas com inscrição suplementar em outras unidades federativas. O magistrado levou em consideração diversos indícios de apresentação irregular de ações na comarca e má-fé processual, incluindo petições padronizadas e falta de documentação suficiente. Além disso, o juiz identificou ilegalidades na captação de clientes e abuso da gratuidade da Justiça e do direito de litigar.

No final de abril, a Justiça do Trabalho de São Paulo condenou o autor de uma ação e sua testemunha ao pagamento de uma multa por litigância de má-fé, correspondente a 2% do valor da causa. A juíza Tatiane Pastorelli Dutra, da 3ª Vara do Trabalho de Mauá (SP), observou que todos os funcionários representados pelo escritório de advocacia que assessorava o reclamante tinham exatamente a mesma jornada de trabalho, incluindo a mesma quantidade de sábados, domingos e feriados trabalhados, além da supressão igual do intervalo.

Investigações

Segundo Bruno Salvatori Paletta, a OAB-SP vê a advocacia predatória com grande preocupação, uma vez que as consequências do trabalho de escritórios ou advogados nesse campo afetam diretamente a sociedade.

Ele destaca que a alta demanda por contatos e clientes resulta em um atendimento não especializado. Dessa forma, há o risco de recomendações e orientações jurídicas sendo feitas por profissionais que não são devidamente registrados na OAB.

Paletta explica que a Comissão de Combate ao Exercício Ilegal da OAB-SP tem recebido e investigado reclamações sobre litigância predatória. As denúncias são avaliadas por relatores especializados.

“Após concluir a investigação e identificar advogados envolvidos, eles são imediatamente encaminhados ao Tribunal de Ética da OAB de São Paulo. Caso não haja advogados envolvidos nos casos, a Comissão solicita a abertura de um Inquérito Policial para apurar a Contravenção Penal e ingressa com uma Ação Civil Pública contra os denunciados.”

A comissão não tem o poder legal de punir, mas investiga as denúncias e emite parecer para iniciar uma ação civil pública e abrir um inquérito. “A punição será aplicada pelo órgão competente, como o Tribunal de Ética e Disciplina, que possui autoridade legal para punir os advogados que atuam em desacordo com as normas da advocacia”, concluiu.

O que é litigância de má-fé?

A litigância de má-fé é uma conduta abusiva, desleal ou corrupta realizada por uma das partes dentro de um processo, com o intuito de prejudicar a parte contrária, o entendimento do juiz ou de alcançar algum objetivo ilegal.

É um conceito existente no direito processual e pode ser aplicado em diferentes ramos jurídicos.

O que é a má-fé?

A expressão “má-fé”, no Direito, é utilizada para designar uma ação ou atitude que se faça com maldade ou vício, cujo objetivo é escuso. Assim, indica algo mal intencionado, maldoso, falso ou mentiroso.

Litigância de má-fé no Novo CPC e no Direito Processual Civil em geral

No Direito Processual Civil, a litigância de má-fé está prevista no Novo CPC (ou CPC/15). Especificamente, é encontrada no Livro III – Dos Sujeitos do Processo, Título I – Das Partes e dos Procuradores, Capítulo II – Dos Deveres das Partes e dos Procuradores, Seção II – Da Responsabilidade das Partes por Dano Processual.

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