Peritos do Mecanismo Nacional de Combate à Tortura (MNPCT) realizaram inspeções surpresa durante o mês de outubro em diversas instituições prisionais no estado de São Paulo, revelando sérias violações aos direitos humanos. Os resultados preliminares foram apresentados na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) na última sexta-feira (27), enquanto o relatório completo, abordando em detalhes as constatações e recomendações, está previsto para ser divulgado daqui a dois ou três meses.
As investigações abrangeram cinco penitenciárias, dois centros de atendimento ao adolescente, um centro de detenção provisória (CDP) e um serviço de cuidados prolongados em álcool e drogas do estado. Os peritos do MNPCT, órgão que faz parte do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, conduziram as vistorias em busca de possíveis abusos e irregularidades nas instalações prisionais.
Entre as principais preocupações constatadas, destacam-se a escassez de comida em determinadas unidades prisionais, com destaque para a Penitenciária Maurício Henrique Guimarães Pereira (Venceslau 2) em Presidente Venceslau, e a deficiência nos cuidados médicos. Um detento na Penitenciária Desembargador Adriano Marrey, em Guarulhos, foi encontrado com uma grave gangrena no pé, enquanto na Penitenciária Adriano Aparecido de Pieri, em Dracena, outro detento apresentava uma infecção séria nos dedos dos pés.
Carolina Barreto Lemos, perita e coordenadora adjunta do MNPCT, enfatizou a gravidade da situação ao relatar: “Em Guarulhos há um detento com o pé em estágio avançado de necrose. Essa pessoa precisou amputar o dedo devido a uma infecção que agora está se espalhando pelo pé inteiro, com risco de septicemia e morte”. A perita destacou ainda a necessidade de ações imediatas e o direito básico do acesso à assistência médica adequada.
Além disso, as vistorias revelaram deficiências na prestação de cuidados médicos, com a presença de médicos em algumas unidades prisionais que não conseguem atender aos detentos de maneira humana e eficaz. “Mesmo quando há a equipe médica, não se acessa a equipe. Não basta ter médico na unidade, é preciso ter o acesso a esses profissionais”, ressaltou Carolina Barreto Lemos.
No que diz respeito à alimentação dos detentos, os peritos identificaram que a Penitenciária Maurício Henrique Guimarães Pereira (Venceslau 2) em Presidente Venceslau oferece refeições insuficientes e carentes em valor nutricional. Segundo o relatório parcial, a unidade prisional gasta apenas R$ 8 por dia para fornecer três refeições diárias aos presos. Carolina Barreto Lemos enfatizou a inviabilidade de oferecer uma alimentação adequada com esse orçamento limitado.
A perita também apontou deficiências na gestão de recursos da Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo, destacando que cada unidade prisional é responsável por realizar sua própria licitação para a compra de alimentos aos presidiários, o que, segundo ela, resulta em custos mais altos e uma gestão menos eficiente desses recursos.
Os estabelecimentos prisionais vistoriados incluem a Penitenciária Zwinglio Ferreira (Venceslau 1) e a Penitenciária Maurício Henrique Guimarães Pereira (Venceslau 2) em Presidente Venceslau, a Penitenciária Feminina de Tupi Paulista, a Penitenciária Adriano Aparecido de Pieri em Dracena, a Penitenciária Desembargador Adriano Marrey (Guarulhos 2) em Guarulhos, o Centro de Detenção Provisória Feminino de Franco da Rocha, a Associação Assistencial Adolpho Bezerra de Menezes – unidade hospitalar em Presidente Prudente, o Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente Chiquinha Gonzaga em São Paulo, o Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente Casa em São Paulo e o Serviço de Cuidados Prolongados Álcool e Drogas Boracea em São Paulo.
Em resposta às revelações do MNPCT, a Secretaria de Administração Penitenciária declarou que ainda não recebeu o relatório e, portanto, não fará comentários sobre as alegações no momento. A nota divulgada também reiterou o compromisso da secretaria com o aprimoramento contínuo do sistema prisional paulista e com o respeito aos direitos fundamentais dos detentos.
As conclusões do relatório final do MNPCT serão aguardadas com expectativa, visto que destacam a importância da supervisão e da reforma do sistema prisional, com foco na melhoria das condições de detenção e na garantia dos direitos humanos dos presos em São Paulo.