Proposta põe em questão as condições de existência da mídia independente no Brasil
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Repórter ABC | Luís Carlos Nunes – Aprovado sua urgência na Câmara dos Deputados com regime de urgência, o projeto de lei 2630, conhecido como PL das Fake News, vem gerando polêmicas e preocupações quanto à sua tramitação. Prevista para ser votada no próxima terça-feira (02), uma das principais críticas está relacionada à falta de transparência em torno do projeto, uma vez que o substitutivo apresentado pelo relator, deputado Orlando Silva (PCdoB), permaneceu secreto até o dia da votação da urgência. O sigilo em torno do projeto sugere uma estratégia questionável, ainda mais partindo de um parlamentar colocado à esquerda do espectro político.
Confira a íntegra do parecer do PL das Fake News ao final.
A aprovação da urgência, antes de ir a Plenário para votação, implica que o projeto não será examinado nas comissões da Câmara, onde geralmente a sociedade e seus representantes têm a oportunidade de realizar um escrutínio mais cerrado da proposta. Abre-se a oportunidade de examinar as repercussões da propositura, observando seus detalhes com transparência, permitindo a expressão dos interessados, submetendo a exame mais minucioso, suas fragilidades e melhoramentos.
O projeto 2630/20 altera profundamente as condições de funcionamento do ambiente democrático no país, pois ao pretender regrar as plataformas, ele altera as condições de funcionamento da ordem informativa, fundamento do regime democrático. Põe em questão as condições de existência de uma miríade de participantes, inclusive jornais e mídias independentes, que vêm ocupando espaços graças a novas ferramentas de exercício do jornalismo e questionando a hierarquia injusta que historicamente prevaleceu no país.
Um dos principais e mais ferrenhos críticos do projeto é o editor da página Click Política no YouTube, João Antônio, que afirmou em entrevista que a proposta foi feita para atender aos interesses da Globo, que busca os bilhões da publicidade digital. Ele ainda lamentou que isso ocorra no governo de Lula, a quem a imprensa independente ajudou eleger, e afirmou ter sido ameaçado por defender o ex-presidente. Para Antônio, o projeto de combate às fake news é apenas uma desculpa para tirar dos pequenos e dar aos grandes, evidenciando interesses tenebrosos.
Além disso, o senador Ângelo Coronel (PSD-BA), relator do Projeto de Lei das Fake News no Senado, afirmou que não participou das discussões sobre mudanças que ocorreram no texto na Câmara dos Deputados. Segundo ele, as alterações feitas no PL das Fake News prejudicam diversos setores e seguimentos da sociedade.
Com todas essas questões polêmicas em torno do projeto, é importante que haja uma discussão ampla e transparente sobre suas implicações para a democracia e a liberdade de imprensa no Brasil uma vez que o Projeto de Lei 2630/20, apresentado por Orlando Silva, que defende a extensão da imunidade parlamentar para as redes sociais. Isso, será uma verdadeira pá de cal no combate contra as fake news. Caso aprovada, essa extensão de imunidade permitirá que alguns parlamentares continuem a difundir mentiras.
No Brasil, grandes mentiras têm sido divulgadas por diversos políticos. A deputada Carla Zambelli, por exemplo, espalhou informações falsas sobre a morte de Marielle Franco, alegando que a vereadora carioca teria ligações com facções criminosas. O hoje deputado federal Nicolas Ferreira, Nikolas Ferreira divulgou notícia falsa onde afirmava que Lula incentivaria a criminalidade e o uso de drogas por crianças e adolescentes, teria a intenção de censurar redes sociais, patrocinaria “ditaduras genocidas”, fecharia igrejas e promoveria perseguição aos cristãos, defenderia a censura e prenderia cidadãos que fossem às ruas para se manifestar politicamente, e ainda seria a favor do aborto.
O vídeo também compartilhado por outros três apoiadores do candidato Jair Bolsonaro: o senador Flávio Bolsonaro e os deputados Eduardo Bolsonaro e Carla Zambelli.
O ministro do TSE Paulo de Tarso Sanseverino determinou que as redes sociais Twitter, Instagram, TikTok e Facebook removesse o vídeo em que Nikolas Ferreira disseminou várias notícias falsas sobre o seu adversário, ex-presidente e candidato e atual presidente Lula.
Uma das principais fake news do primeiro turno das eleições nacionais de 2022, partiu do site Antagonista, que divulgou um suposto áudio do traficante Marcola alegando que o líder do PCC dizia preferir Lula a Bolsonaro. O site foi além e deu a manchete: “Exclusivo: em interceptação telefônica da PF, Marcola declara voto em Lula”.
Em reação, o ministro do STF Alexandre de Moraes determinou que a reportagem fosse retirada do ar. Foi duro: “Tal contexto evidencia, com clareza, a divulgação de fato sabidamente inverídico e descontextualizado, que não pode ser tolerada por esta CORTE, notadamente por se tratar de notícia falsa divulgada na véspera da eleição” disse o ministro.
A decisão determinou “a imediata remoção do conteúdo” dos canais da Jovem Pan e também dos sites Terra Brasil Notícias, Jornal da Cidade Online, dos perfis do presidente Jair Bolsonaro (PL) e dos parlamentares Flávio Bolsonaro (PL-RJ), Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Bia Kicis (PL-DF), Carla Zambelli (PL-SP) e Paulo Eduardo Martins (PL-PR) nas redes sociais, assim como blogueiros e youtubers, como Bárbara Destefani, Gustavo Gayer, Kim Paim e Leandro Ruschel. Foi determinada multa diária de R$ 100 mil.
A questão das fake news não é algo novo no Brasil e no mundo. Desde o surgimento da imprensa, já havia preocupações sobre a disseminação de informações falsas. No entanto, com a popularização das redes sociais e a facilidade de compartilhamento de conteúdo, o problema se agravou.
Um caso recente que chamou a atenção foi o da CNN, que divulgou informações falsas sobre investimentos bilionários da Ucrânia, posteriormente desmentidas pelo próprio governo ucraniano.
Entre os políticos brasileiros, um dos mais notórios propagadores de fake news é o ex-presidente Jair Bolsonaro. Desde a sua campanha eleitoral em 2018, Bolsonaro alega que as eleições são fraudulentas e que as urnas eletrônicas são suscetíveis a manipulação. Essas afirmações, no entanto, não possuem nenhuma base factual.
Em 2022, novamente Bolsonaro colocou em dúvida a legitimidade do processo eleitoral, alegando que haveria uma fraude nas eleições presidenciais em curso. Tais alegações foram amplamente refutadas por autoridades eleitorais e por uma investigação realizada pelo TSE, que não encontrou nenhuma evidência de irregularidades.
Além disso, a grande mídia também já cometeu mentiras históricas, como o caso da Revista Veja, que publicou em 2015 uma matéria falsa sobre o ex-presidente Lula e sua suposta propriedade de um apartamento no Guarujá. Outro exemplo foi a cobertura da Rede Globo sobre a eleição de 1989, que manipulou a edição do debate entre Lula e Collor para prejudicar o candidato do PT.
A falta de transparência em torno do projeto, aliada à extensão da imunidade parlamentar para as redes sociais, coloca em questão as condições de existência da ordem informativa e da liberdade de imprensa no Brasil. É necessário que haja uma discussão ampla e transparente sobre as implicações do projeto para a democracia brasileira.
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